AS BRINCADEIRAS DE MINHA INFANCIA

 

Igual a todas as crianças até hoje, do Bete até o Pião, passando pelas “Bilocas” que são aquelas bolinhas de gude, a gente sempre tinha uma época do ano para criar uma brincadeira

Dessas citadas acima, apenas as bilocas ou bolinhas de gude vinham prontas da loja, pois as crianças da minha época, sempre fabricavam seus próprios brinquedos.

O pião, por exemplo, a gente pegava uma raiz de Araçá, um tipo de goiaba selvagem e modelava com faca, com uma groza e lixa até a forma do pião. A ponteira era feita com um prego que após ser batido na ponta, com uma lima ou mesmo esfregando no cimento ou numa pedra, ele ficava bem afiado e pronto para o uso.

Mas a nossa imaginação não parava por ai. Pegávamos uma tábua destas que se usa nas caixas de maçã e, com uma faca, modelávamos um caminhão ou automóvel.

Se fosse caminhão, bastava acrescentar uma lata de marmelada ou goiabada Cascão, muito que consumida naquela época, que tinha o formato retangular como uma carroceria de caminhão.

Uma lata retangular de uns vinte centímetros de cumprimento por dez de largura. bastava dois pregos e pronto. Estava aí um caminhão que a gente enchia de pedra ou mesmo terra e com um rodo, alisava-se o chão, formando uma estrada, o rego d’água que saia do tanque de lavar roupas servia de rio onde a gente construía a ponte e assim por diante. 

MALHAS

O conceito era o mesmo das pedras do “Curling” olímpico. Cada jogador tinha direito a quatro malhas - uma pedra lisa redonda. As pedras redondas e chatas a gente sempre buscava nos córregos cheios de cascalhos grandes como um grande botão de camisa quase do tamanho da nossa palma da mão. Podia ser também de aço ou ferro. Era lançada em direção a um toquinho colocado a uma distancia de dez metros de distância.

Quem colocasse a malha mais próximo do toquinho, vencia aquela rodada, sendo cada pedra mais próxima um ponto. Se conseguisse colocar as quatro seriam quatro pontos. Caberia ao adversário, acertar aquela pedra mais próxima para retirá-la e colocar a dele. 

BOTCHA 

Já na Bocha, ou Botcha como dizem os alemães, as pedras eram substituídas por bolas pesadas de madeira e o alvo (toquinho) trocado por uma pequena bola. O objetivo era o mesmo, sempre vencia quem pusesse mais bolas junto ao alvo. 

As brincadeiras obedeciam como obedecem até hoje os fenômenos da Natureza. Cada jogo explorava o momento oferecido por ela. Por exemplo: Na época do vento, se soltava pipa; na época da chuva, usava-se o caminhãozinho ou o “Finca”, que é outra brincadeira muito usada no interior, por causa das grandes áreas de terra molhada onde a gente podia fazer os riscos no chão e fincar a vareta de ferro, que lhe dava o nome. 

A FINCA 

Essa brincadeira consistia em fazer duas casas (poderia ser três ou mais dependendo da quantidade de jogadores). As casas eram nada mais do que o desenho de triângulos com a ponta maior apontada para a do adversário, de onde começaria o risco feito pelas “fincas”.  

Cada arremesso que você fazia, fincando o ponteiro no terreno macio, completava o risco que deveria chegar até o triângulo adversário, fazer a volta e voltar a sua casa pelo outro lado. Se a finca caísse e não ficasse firme na terra, o jogador perdia a vez de continuar e passava a ponteira para o outro que iria tentar completar o trajeto, fincando e riscando, lembrando que a linha tinha que ser reta sempre.

A disputa era que além de torcer para a finca não bater numa pedra e cair, também a gente tinha que fazer um jeito de impedir a seqüência em linha reta do adversário, fazendo a linha obstruindo sua trajetória. Por exemplo, se a sua linha chegasse ao lado da linha dele, em vez de seguir em frente, a gente fincava atravessando sua frente e caso errasse, quer dizer se a finca caísse, ele teria que voltar para te alcançar e fazer a curva, portanto perdendo tempo e trabalho. 

A TORRINHA 

A torrinha é um jogo que nós adaptamos do ludo e meu pai ou meus irmãos mais velhos pintavam numa tábua quadrada grande, que a gente colocava na mesa para jogarmos durante a noite. A gente usava um dado e quatro pedras de quatro cores diferentes e se jogava dois contra dois. 

O objetivo era dar a volta com as quatro pedras, até chegar a nossa torre desenhada no centro do quadro colorido Para colocar as pedras em jogo, cada jogador tinha o direito de atirar o dado que era colocado num copinho. Após agitá-lo ele era arremessado na mesa e se o número fosse um ou seis, dava a chance de entrar com as pedras ou avançar, se elas já estivessem no jogo, voltar a jogar tantas vezes estes números aparecessem. Caso contrário a vez passava para outro da direita. Lembro que a disputa era muito grande para alcançar os adversários e impedir que eles atingissem seu objetivo, pois se nossas pedras caíssem na mesma casa onde estavam as pedras do adversário, ele teria que retirá-las e começar tudo.

Havia, como sempre as pessoas que davam um jeitinho de “roubar” como em todo jogo. A pessoa que mais trapaceava, lá em casa era a minha irmã mais velha, Terezinha. A gente tinha sempre que ficar esperto com ela que fazia tudo para nos distrair, contando a mais ou fingindo que havia esquecido de fazê-lo, conforme a situação, contar duas vezes a mais, avançando mais casas que o permitido. 

AS PERNAS DE PAU

As pernas de pau, eram feitas de várias maneiras:  Duas ripas com um toco atravessado e também podia ser duas latas de óleo que a gente furava no meio e amarrava um cordão ou corda com um pedacinho de galho para segurar. Aí era só se equlibrar e sair andando. Conforme ia pegando prática, a gente ia aumentando a altura. Servia muito para passeios em lugares onde houvesse brejo ou córregos para atravessar. Mas, sempre havia o perigo de atolar, cachorro atacar e a gente cair lá de cima. Sem contar que dependendo da altura tinha que ter uma janela ou  alpendre para subir e descer.

AS CAÇADAS AO LUAR

Nas épocas de lua cheia ou nova, papai e meu irmão mais velho, Zeinha, nos levava para caçar de noite, nos mesmos lugares onde a gente costumava correr das vacas. 

Era época dos tatus. Ele tinha dois cachorros: a Campina, uma perdigueira com os pelos ruivos, muito bela e elegante. E o Nero, um cachorro preto ainda muito jovem desses parrudos e muito bonito e alegre, mas bem baixinho. Lembro que o Nero, muito valente acuou um grande tatu, mas por ser pequeno foi atropelado por ele, que fugiu e se enterrou em um buraco.

Foi preciso todo mundo ajudar a cavar e com um pau, retirá-lo do buraco e moqueá-lo antes de levar para casa. Durante o dia, quem nos ajudava nas caçadas, era a Campina, que espantava as codornas e depois de abatidas pelas cartucheiras de meu pai ou de Zeinha, ela ia correndo buscar. 

Meu pai e meus irmãos também iam ao Rio Grande, para caçar pacas ou pescar um grande peixe muito abundante no local que era o Jaú. Não me esqueço das vezes em que depois do peixe aberto, o coração dele ainda continuava batendo.

A FOLIA DE REIS  E O CARNAVAL

Eram, em janeiro, a Folia de Reis, em que um grupo de pessoas bem paramentadas e com instrumentos musicais, saíam pelas casas fazendo cantorias e trazendo o estandarte com o desenho Cristo, pedindo passagem e querendo entrar nas casas. Onde os donos da casa o recebia, todos entravam e se reuniam em volta de uma mesa cheia de bolos e doces, sucos e café com leite. Ás vezes, serviam até cachaça. Todos, após uma oração, podiam fazer o seu lanche. Então, a gente sempre acompanhava a tarde toda essa caminhada pelas ruas da cidade.

Já nas festas de carnaval, os blocos davam a volta na cidade, a partir das duas horas e a gente, como era criança, tinha que aproveitar, até antes de escurecer para acompanhar, com confetes e lança perfume, pois depois das seis da tarde, os blocos entravam para os clubes onde só os adultos, a maioria já meio bêbada por tanto lança perfume, iria pular até altas horas da noite.

Nos domingos, havia também jogos de futebol, no estádio, próximo de casa, num clube conhecido por Associação Atlética Frutalense. Um campo de futebol todo murado.

 Eram jogos muito concorridos, sempre lotados, mas a maioria deles terminava em pancadaria. Principalmente, quando jogava o Atlético contra o rival da cidade, XV de Novembro. Quando eu não tinha dinheiro ou achava o preço muito caro, chamava o Zeínha, meu irmão mais velho e padrinho, subíamos para o telhado do grande prédio da Arrozeira, de onde se avistava o campo. 

A gente levava lanche, refrigerante pra mim e cerveja para ele. Assim se assistia o jogo confortavelmente e não tinha perigo de ser agredido no caso de uma briga de torcidas. Muitas vezes, vinham também times de Campina Verde ou Paulo Faria, cidades vizinhas, trazendo muitos torcedores em cima de caminhões.

Normalmente, nestas épocas de colheita de milho e arroz, todo mundo estava sempre com muito dinheiro e a cidade chegava a ter, além do jogo no estádio, um circo e o um parque, ficando aquele local, o dia todo, com uma grande multidão, andando pela cidade de sexta a noite até tarde da noite de domingo. No circo, a gente conhecia grandes artistas sertanejos da época, como Cascatinha e Inhana, Tonico e Tinoco, Campanha, Cuiabano e Celinho. Houve uma vez, em que tivemos a alegria de ver uma cantora que na época, era muito bonita e famosa, ídolo da minha mãe: Ângela Maria.


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